
João MarcosAdede y Castro[*]
A questão ambiental é, hoje, uma preocupação universal, pois determina as posibilidades de sobrevivencia do homem sobre a face da Terra num período bem mais reduzido de tempo do que se imaginava no início do século XX.
No que se refere à responsabilidade civil pelos danos materiais, não há discussões acerca da possibilidade da indenização por danos materiais, inclusive através de ações coletivas e públicas, uma vez que o meio ambiente é considerado um bem de todos.
A base da responsabilidade civil, em todas as áreas do direito, está na comprovação da ocorrência do dano e na demonstração de nexo de causalidade entre entre o dano e o ato praticado pela pessoa indicada como responsável por ele.
Na área de responsabilidade por danos ambientais não é diferente, vigindo a responsabilidade objetiva, ou seja, independente da existência de culpa.
No direito civil, em geral, não há dificuldade em demonstrar a possibilidade legal de responsabilização do causador por dano moral, além da responsabilidade por danos materiais.
Enquanto se entendia que os bens ambientais, tais como solo, a vegetação, os recursos hídricos, os animais, a atmosfera, o sub-solo e outros pertenciam àquele que o possuia ou que detivesse documentos de propriedade, era tranquila a conclusão de que, desde que comprovado, pudesse ser indenizado pelo dano moral.
Sabemos que o dano moral nasce da comprovação de que a vítima foi submetida a sofrimento pessoal ou familiar significativo, de forma a desequilibrar suas relações sociais, dificultar ou impedir a continuidade de projetos de vida e impondo-lhe um dano que ultrapasse claramente seus interesses econômicos.
Em razão da ligação irrefreável do homem com os bens materiais, em vista do estabelecimento de uma sociedade de consumo e capitalista, todo dano material a estes bens ou interesses causa algum desconforto pessoal e social, mas esse não será considerado como dano moral indenizável.
O dano moral indenizável é apenas aquele profundo, significativo, evidente, manifesto, utilizando-se o julgador de critérios de bom senso e equidade para identificá-lo como elemento definidor da responsabilidade do agente.
Apesar das inúmeras regras legais impondo ao particular que possui ou é proprietário de bens de natureza ambiental a responsabilidade por sua manutenção, a sociedade concluiu que isto não era suficiente, pois os danos não atingiam apenas ao particular, mas ao grupo social. Ou seja, a regra da individualidade da responsabilidade pelos danos não vinha funcionando.
A partir do momento em que, não só nas legislações de praticamente todos os países civilizados estabeleceu-se que o meio ambiente é um bem de todos e a todos cabe defendê-lo, mas também na consciência social, nasceu a discussão da possibilidade de indenização da sociedade não só pelos danos materiais ambientais mas, também, da indenização da sociedade pelos danos morais ambientais.
Considerando-se a ideia geral de que a moral é um atributo pessoal, não se poderia dizer que um grupo social a pudesse ter, apenas os indivíduos que o compõe.
Quem assim raciocinia esquece que os grupos sociais se formam não apenas em razão de seus interesses econômicos ou necessidades de segurança mútua, mas também em vista de certas semelhanças de valores pessoais, crenças religiosas, convicções pessoais quanto às formas adequadas de vida em sociedade.
Ou seja, sociedade não é apenas um agrupamento de pessoas mas, também, uma reunião consciente de ideias, valores, pensamentos, sentimentos, medos e personalidades.
A sociedade é um corpo moral.
Quando ocorre um dano ambiental significativo que atinja toda uma comunidade, determinando a mudança mais ou menos radical de sua forma de vida, de suas maneiras de diversão, reunião, produção de riquezas e, muitas vezes, transferência física para outro lugar, não há dúvida que o dano moral coletivo é evidente.
A paisagem, que é aquilo que se descortina frente aos olhos das pessoas, dando-lhes sentido de horizontes de vida, tranquilidade, sensação de pertencimento, convicção de segurança física e econômica, tem uma importância extremada, notadamente em comunidades rurais. Mas, mesmo que pareça estranho, também os habitantes das grandes cidades encaram a confusão do trânsito, os altos edifícios e os barulhos urbanos como um nicho de vida, uma garantia de emprego, salário e dignidade.
A destruição desta paisagem, por si só, já desequilibra e desorienta a pessoa, que tem com as casas, os móveis, as ruas e tudo mais que os cercam uma relação pessoal, às vezes mais que material. A simples indenização dos danos materiais e até a entrega de bens muito melhores e mais caros nem sempre atende às necessidades pessoais da vítima.
É aparentemente inexplicável a resistência de moradores pobres de áreas de risco ou de margens de cursos d’água em ser dali retirados, mesmo ante a promessa de recebimento de casas com toda a infra-estrutura que hoje não possuem, com transporte,atendimento médico, escolas. Por quê?
Simplesmente porque ali, por mais estranho que pareça àqueles que moram em boas casas, é o lar da pessoa, onde nasceram e se criaram seus filhos, seus laços de amizade, suas relações precárias mas sinceras, sua vida.
O direito é, além de uma ciência jurídica, um instrumento de realização da justiça social. O direito existe em razão das pessoas e deve funcionar em benefício das pessoas, que não são apenas um corpo físico, tangível, mas principalmente um corpo espiritual, moral. Tudo que o cerca, mesmo que de natureza material, o atinge, positiva ou negativamente, mas, sem dúvida, faz parte de sua natureza pessoal.
Mesmo que se diga que a indenização pecuniária do dano moral não apaga o dano e suas consequencias, o que é certo, não resta dúvida que ela oportuniza a reconstrução, mesmo que precária, de certas condições para o reerguimento do orgulho pessoal, da dignidade social, facilitando a continuidade da vida.
[*] Promotorde Justiça, Professor Universitário. Escritor.
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